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“Pra onde fica o quilombo?”

“Pra onde fica o quilombo?”

Por Thaina Iná

Data de publicação: 10/11/2021

 

Parto de uma questão para estabelecer contato: para onde fugir quando não se pode mais conter o desejo de ser?

 

No início, não dá pra saber que tempo é. Aos poucos, é possível localizar o que na verdade se mostra como encruzilhada, uma proposta espacial que não permite resposta longa pra pergunta curta, que propõe um lugar que se mete em qualquer tempo quando se quer contar uma história, mesmo que a duração seja pequena. O filme Aquilombados (2021), de Dami Sainz Edwards, se mete a contar uma história que está localizada numa encruzilhada de tempos num curta de doze minutos. A pergunta curta é “para onde fica o quilombo?” e aqui, no filme, a resposta longa é: sair para encontrar.

 

Somos guiados pelo olhar de medo de Orestes (Reynier Morales), um homem que caminha com seu facão e visão atenta às armadilhas que uma mata escura pode guardar. Preconceito? Desejo? Preocupação? Obrigação? O grito dele irrompe a angústia de que sua busca seja em vão ou que seu facão não o salve de tudo, embora ele demonstre saber usá-lo. Talvez, a essa altura, quem assiste também esteja buscando o quilombo ao seu lado, interessando-se pelos elementos desvelados, deixados em meio às sombras. Quem procura acha, é quase um ditado popular, e Orestes achou.

 

Los Cimarrones é o título original da obra, traduzido como Aquilombados. Ambas são palavras que existem para designar pessoas pretas escravizadas que conquistaram a liberdade fugindo. Interessado em explorar as relações intersetoriais entre raça, gênero, família e nação, o diretor Dami Sainz Edwards estrutura o filme de modo a provocar o encontro desses assuntos, numa busca que se perde e se encontra nela, na encruzilhada. Leda Maria Martins, importante teórica brasileira do teatro e da performance, localiza epistemologicamente a Encruzilhada como noção que se traduz nas experiências da temporalidade nas Áfricas negras.

 

Aquilombados, portanto, dispara flechas de entendimento para vários lados, apresenta contrastes e termina numa explosão. São dois homens pretos, na beira de uma estrada, sem camisa, despojando seus corpos numa dança que, para um deles, parece íntima, e para o outro, talvez, um pouco mais intimidadora. Quando falo de explosão, não me entendam literal, estou apenas querendo medir o impacto, em palavras, que esta cena final me causou. A explosão é a dança, esta linguagem que é a manifestação súbita e viva comprovada no corpo em movimento, uma dança que não se dança sozinho. Talvez eu queira chamar a cena final de continuação porque, pros meus sentidos, o filme continuou junto das derivações desta encruzilhada na qual o localizo, ou melhor, que ele se apresenta.

 

Não serei a primeira nem a última pessoa a relacionar cinema com lembrança, com memória. Isso pode ter a ver com o que as narrativas escolhidas para serem contadas remontam, em seu ineditismo e em seu resgate. Em Los Cimarrones, dois irmãos se encontram fugindo no mesmo lugar, mas não da mesma coisa, num contraste que brinda o conflito. A tensão se mantém suspensa por tempo suficiente para gerar surpresa quando é cortada pelo dia e depois pelo que chamei de explosão, a dança de explosão. Este substantivo descreve essa intenção de integrar, à medida que expõe dois corpos de performatividades extremamente distintas ao contato. Ao contato afetado.


Este texto foi produzido durante a formação “Perspectivas Pretas: Oficina de Crítica Audiovisual”, conduzida pelo projeto INDETERMINAÇÕES a convite do NICHO 54. Orientados por Gabriel Araújo e Lorenna Rocha, os textos críticos se debruçam sobre os filmes exibidos no NICHO NOVEMBRO 2021.

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