PT
EN
ES
Quilombo queer

Quilombo queer

Por Bruno Penedo

Data de publicação: 10/11/2021

 

Uma coisa que os festivais online de cinema nos permite é a possibilidade de vermos e revermos um filme até ele não estar mais disponível. Assisti Aquilombados (Los Cimarrones, 2021), de Dami Sainz Edwards, algumas vezes. Ele me pegou de tal forma que decidi escrever, sobretudo sobre as experiências queer no quilombo que o curta afrocubano nos traz.

 

A escuridão do quilombo e da mata revela mais do que omite. Quanto mais Orestes avança na mata, em busca de seu irmão, mais ele mergulha em si mesmo. Embora o filme possa nos direcionar a acompanhar a trajetória de Orestes em sua investigação, ele também nos conduz a repensar sobre o quilombo, não apenas como fuga, mas em sua experiência queer. O que podem, então, os corpos queer no quilombo? Quais histórias e trajetórias dissidentes foram apagadas pela historiografia? Como pensar em outras vivências no quilombo, ou palenque, para além daquelas contadas nos livros de história?

 

Um quilombo ocupado por bichas pretas nos é trazido através de Aquilombados. É nele onde, até hoje, elas vivem suas experiências dissidentes que são a todo momento silenciadas pela sociedade LGBTI+fóbica. Renegadas pela sociedade, muitas vezes é somente no quilombo que esses corpos têm lugar de acolhimento. É no quilombo que construímos nossa reexistência.

Só quem está no quilombo é que conhece o seu caminho. Só quem vive lá sabe que é na escuridão que se enxerga. Procurando por seu irmão, Orestes se depara com corpos, sussurros, delírios e ruídos. Corpos em transe. Coração acelerado. Sussurros. Gemidos. Tesão. As dinâmicas dos olhos, dos passos e das mãos dizem mais do que o som que vem da própria mata. O filme traz tantas sensações que talvez seja por isso que eu tenha assistido mais de uma vez.

 

Na mata, contudo, também há perigo. Após encontrar seu irmão ou se reencontrar, ambos fogem dos “capitães do mato'', que podem ser vistos como representações da sociedade LGBTI+fóbica. Ao nascer da luz, o filme nos convida à performance do encontro. É nesse momento também que, através da dança entre os irmãos, eles constroem e reafirmam suas identidades. Não há mais tempo para escuridão. Ao dançar, eles se curam. O passado é agora. Eles ressignificam o que pode ser um quilombo. A música dá um ritmo que acalanta e renova.

 

No Quilombo, corpos pretos dissidentes se encontram. E se aquilombam.


Este texto foi produzido durante a formação “Perspectivas Pretas: Oficina de Crítica Audiovisual”, conduzida pelo projeto INDETERMINAÇÕES a convite do NICHO 54. Orientados por Gabriel Araújo e Lorenna Rocha, os textos críticos se debruçam sobre os filmes exibidos no NICHO NOVEMBRO 2021.

Tags:

Formação